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18 de Abril de 2024

A simples coabitação entre namorados gera o reconhecimento da união estável?

há 6 anos

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Nos dias atuais, em que se revela extraordinariamente difícil divisar exatos os contornos das relações amorosas dadas as irrefreáveis mudanças sociais, cumpre ao julgador perscrutar de forma minuciosa o cenário probatório a fim de identificar os elementos caracterizadores dos institutos.

Sabe-se que, segundo precedente paradigmático do Superior Tribunal de Justiça, tem-se "namoro qualificado" e não "união estável" quando ausente o "affectio maritalis" ou a intenção de constituir família de forma presente.

O propósito de constituir família, alçado pela lei como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado"namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício).

Não é qualquer relacionamento amoroso que se caracteriza em união estável, sob pena de banalização e desvirtuamento de um importante instituto jurídico.

Um relacionamento afetivo, ainda que público, contínuo e duradouro, não será união estável, caso não tenha o objetivo de constituir família. Será apenas e tão apenas um namoro.

O doutrinador MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO, Código Civil comentado, coord. Cezar Peluso, 6ª ed., Barueri, Manole, 2012, p. 2007/2008, leciona que:

“Objetivo de constituir família: não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que celebrada em contrato escrito, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família. Assim, o namoro aberto, a “amizade colorida”, o noivado não constituem união estável. É indispensável esse elemento subjetivo para a configuração da união estável. Para Zeno Veloso (op. cit.) é absolutamente necessário que entre os conviventes emoldurando sua relação de afeto, haja esse elemento espiritual, essa affectio maritalis, a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família. A presença ou não deste elemento subjetivo será definida pelo juiz, diante das circunstâncias peculiares de cada caso concreto”

CARLOS ALBERTO DABUS MALUF e ADRIANA DABUS MALUF, em seu Curso de Direito de Família (2013, p. 371-374) abordam o tema, nos fornecendo esclarecedora lição:

"No namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita".

Assim também nos ensina o grande familiarista ROLF MADALENO em seu renomado Curso de Direito de Família (2013, p. 1138), cujo trecho abaixo se transcreve:

"Com efeito, a união estável exige pressupostos mais sólidos de configuração, não bastando o mero namoro, por mais estável ou qualificado que se apresente, porquanto apenas a convivência como casal estável, de comunhão plena e vontade de constituir família concretiza a relação estável, da qual o namoro é apenas um projeto que ainda não se desenvolveu e talvez sequer evolua como entidade familiar".

Nesse sentido, veja o entendimento da jurisprudência pátria:

APELAÇÃO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. BEM IMÓVEL. PROPRIEDADE ANTERIOR. PARTILHA. EXCLUSÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. 1. O Direito por décadas ignorou o instituto da União Estável, vez que, reconhecer direitos a pessoas não casadas era desprestigiar o casamento. Todavia, esse modo de ver tal instituto evoluiu. Em 1964, o STF sumulou entendimento afirmando que: "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum." (Súm. 380/STF) 2.Com a promulgação da Magna Carta de 1988, a CF passou a proteger e reconhecer a união estável como entidade familiar, embora a união estável não gera um estado civil, os companheiros têm sua relação albergada pelo direito das famílias. 3.Vale ressaltar que para ser caraterizada uma união como união estável se faz necessário o cumprimento de alguns requisitos legais. A um, publicidade, não escondida ou clandestina; a dois, contínua, sem interrupções; a três, durabilidade, ou seja, a lei não traz prazos específicos para sua configuração, como fazia a lei revogada de 1994. O que diferencia união estável de namoro é, portanto, o objetivo de constituição de família. No namoro há, pois, um projeto futuro de família e na união estável há uma entidade familiar de fato. 4. Segundo o Supremo tribunal Federal, não é necessária a moradia sob o mesmo teto para configuração da união estável (Súmula 382 do STF) e o fato de morar sob o mesmo teto não configura, per si, a união estável. 5.É de sabença que a Constituição Federal protege o instituto da união estável, facilitando a sua conversão em casamento. O Código Civil, em seu art. 1.726, já reconhece esta conversão mediante simples pedido dos companheiros no Cartório de Registro Civil competente, sendo que, para tanto, não devem estar impedidos de casar. Quanto ao casamento, há que se observar alguns requisitos formais. 6.Deflui do cotejo dos autos que na exordial o apelante alegou ter convivido em união estável com o apelante a partir de meados do ano de 2010. Por outro lado, o inconformismo do apelante diz respeito à meação do bem que sustenta ter adquirido na constância da união estável. Na medida que, a sentença apenas foi de parcial procedência reconhecendo apenas a existência da união estável e julgando improcedente o pedido de partilha. 7.Na sentença recorrida, o juiz de primeiro grau reconheceu a existência da união estável e a sua dissolução, porém julgou improcedente o pedido de partilha. Ora, os bens adquiridos anteriormente à união estável, devem ser excluídos da partilha, mormente quando há provas de que a aquisição do bem se deu antes do reconhecimento da convivência e apenas por um dos companheiros. Restou devidamente comprovado através dos depoimentos testemunhais que a ré já residia no bem que o autor requereu a partilha quando do início do relacionamento entre ambos. 8.Assim, ainda que o princípio da economicidade processual gere a tendência de que a partilha seja julgada nos mesmos autos do reconhecimento/dissolução da união estável, temos que este não é o caso do processo ora analisado. 9.Não há nos autos elementos que corroborem as alegações do apelante quanto a aquisição do bem pelo apelante durante a da união estável, de modo que não haveria que se falar em partilha do bem da forma que quer o apelante. Tal fato, porém, como bem afirmou o togado de origem, não o impede buscar, em ação própria a restituição de valores que sustenta ter despendido em relação ao imóvel. 10. A partilha de bens é corolário do reconhecimento da união estável, nos termos do Artigo 1.725 do Código Civil, que estipula, salvo disposição em contrário, o regime de comunhão parcial de bens para essa entidade familiar. Se o único bem, que ora se litiga, não foi adquirido durante a união estável, não deve ser objeto da partilha. 11.Portanto, eventual direito do apelante sobre o imóvel cuja propriedade não está devidamente comprovada deverá ser objeto de discussão em ação própria.12. Sentença mantida. 13.Recurso improvido. 14. Decisão Unânime.TJ-PE - APL: 5050757 PE, Relator: José Viana Ulisses Filho, Data de Julgamento: 01/08/2018, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª Turma, Data de Publicação: 15/08/2018)( grifos postos)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE ANIMUS FAMILIAE. RELAÇÃO DE NAMORO. OMISSÃO NÃO DEMONSTRADA. ANÁLISE DAS PROVAS DOS AUTOS. 1. Consoante a disciplina do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer decisão judicial e prestam-se para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento ou corrigir erro material. 2. É reconhecida como entidade familiar a união estável, configurada na convivência pública (no sentido de notória), contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (animus familiae). 3. No namoro existe a relação amorosa e que, apesar de apreciarem a companhia um do outro e, por vezes até pernoitarem juntos, não tem o objetivo de constituir família. Cada um dos namorados ainda preserva a sua vida pessoal e liberdade, os seus interesses particulares não se entrelaçam no presente e a assistência moral e material recíproca não é completa e irrestrita. 4. Avia recursal eleita não tem aptidão para outorgar efeito modificativo do julgado, de modo que assim eventual desacerto da decisão ou o simples inconformismo da parte deve ser deduzido por meio do instrumento idôneo. 5. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados. (TJDF; APC 2013.07.1.038418-6; Ac. 948.404; Sexta Turma Cível; Rel. Des. Carlos Divino Vieira Rodrigues; Julg. 15/06/2016; DJDFTE 22/06/2016)
APELAÇÃO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. A união estável se caracteriza pela convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (art. 1.723 do Código Civil). Não se confunde com namoro. Versão da apelante, de que a convivência havida entre as partes teria se iniciado dez anos antes, que se ampara tão somente em prova testemunhal, sem repercutir nos documentos ou qualquer outro elemento de prova dos autos. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; APL 0025228-14.2009.8.26.0405; Ac. 10118263; Osasco; Segunda Câmara de Direito Privado; Relª Desª Rosangela Telles; Julg. 31/01/2017; DJESP 22/02/2017)
APELAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. PROCEDÊNCIA. CONVIVÊNCIA PÚBLICA NÃO DELINEADA. Conjunto probatório insuficiente a esse desiderato. Família não constituída. Hipótese em que configurado "namoro qualificado". Sentença reformada. Improcedência do pedido inicial. Recurso provido. (TJSP; APL 0002636-13.2011.8.26.0370; Ac. 10173465; Monte Azul Paulista; Vigésima Oitava Câmara Extraordinária de Direito Privado; Rel. Des. Conti Machado; Julg. 15/02/2017; DJESP 22/02/2017)


No fim das contas, é sim possível que namorados morem juntos e não exista ali uma união estável com direito a divisão de bens entre si. No entanto, se o projeto do casal é ter patrimônio individualizado, sem riscos a interpretações equivocadas no tocante aos seus bens, é sempre recomendável adotar algumas cautelas jurídicas, como por exemplo fazer um contrato de namoro ou outras precauções que serão abordadas em outro artigo.

  • Sobre o autorEspecialista em Direito Civil Pós Graduação em Proc do Trabalho e Previdenciário
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